FREIRE, Paulo. Pedagogia da
Autonomia - Saberes Necessários à Prática Educativa- Editora Paz e Terra. 2016 53ª
Edição
Conhecido
como o Patrono da Educação Brasileira, Paulo Reglus Neves Freire nasceu no dia
19 de setembro de 1921, em Recife e foi graduado pela Faculdade de Direito de
Recife, onde também foi professor de História e Filosofia da Educação.
A coragem de pôr em prática um autêntico trabalho de educação com o intuito de capacitar
o oprimido para a sua libertação, fez dele um dos primeiros brasileiros a serem
exilados. Em 1969, trabalhou como professor na Universidade de Harvard, e
passou a ser reconhecido mundialmente pela sua práxis educativa. A Paulo Freire
foi outorgado o título de doutor Honoris Causa por vinte e sete universidades e
é cidadão honorário de várias cidades. Freire faleceu no dia 2 de maio de 1997
em São Paulo, vítima de um infarto agudo do miocárdio[i].
Deixou
como parte de seu legado aos educadores 37 obras, entre elas Pedagogia da
Autonomia – saberes necessários a prática educativa. Este livro começa com as
suas Primeiras Palavras, ou seja, um breve resumo do que se trata sua obra. Ela
tem como temática central, a formação docente e a prática educativo-progressiva
em favor da autonomia do ser dos educandos. Sua escrita, com uma marca oral
forte, retoma assuntos e conceitos de outros livros escritos por ele, o que pode
tornar a leitura da obra difícil para aqueles que estão começando a conhecer o
autor.
Sua
preocupação na inclusão do ser humano percorre por todo o seu livro. Neste
contexto, algo que chama a atenção é o esforço para manter uma linguagem mais
próxima do neutro possível. Como ao utilizar “mulheres e homens”, “cheias
ou cheios” e “a humanidade” ao
invés de apenas “homens”. Também
deixa claro que o seu ponto de vista é o dos “condenados da terra”, os excluídos, e por conta disso, opondo-se ao cinismo da ideologia neoliberal,
não possui nenhum interesse de assumir uma posição de observador imparcial.
Isso não quer dizer que Freire não possua uma rigorosidade ética, mas muito
pelo contrario que, como educador não pode escapar dela. Mas, sabendo que este
é um aspecto cultural e diverso, passamos a nos perguntar: a qual ética ele se
refere?
Falo da ética universal do ser humano. [...] que condena a exploração da força de trabalho, que se sabe traída e negada nos comportamentos grosseiramente imorais como na perversão hipócrita da pureza em puritanismo. A ética de que falo é a que se sabe afrontada na manifestação discriminatória de raça, de gênero, de classe (pag.17-18).
E a
melhor maneira de lutar por esta ética, sem cair no moralismo hipócrita, é vivendo-a
em nossa prática. Por isso, a prática educativa deve ser vista como pratica
formadora, sendo formar mais do que apenas treinar o aluno, que precocemente já
é submetido ao comando da malvadez da
ética do mercado. Ainda nesse contexto e, se a cronologia permitisse, quase
como uma resposta a Escola sem Partido[1], Paulo Freire diz:
Posso não aceitar a concepção pedagógica deste ou daquela autora, e devo inclusive expor aos alunos as razões pela qual me oponho a ela, mas o que não posso, na minha crítica, é mentir. [...] é fundamental que percebam o respeito e a lealdade com que um professor analisa e critica as posturas dos outros. [...] É necessário reconhecer que somos seres condicionados, mas não determinados pelo aspecto genéticos, culturais, sociais a que estamos submetidos. (pag. 18)
Finalizando
a introdução, a obra passa a retratar tudo o que “ensinar exige”. Para isso ela
é, então, dividida em três partes, sendo a primeira delas denominada Prática docente: primeira reflexão, e
subdividida em outras nove partes, assim como as seguintes. Como a preocupação é em discutir alguns saberes fundamentais à
prática educativo-crítica ou progressista, a ideia fundamental dessa parte (e
em todo o livro) é a de que ensinar não é
transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para as suas produções ou
a sua construção. Quanto mais criticamente se desenvolva o estudante, menor
é a probabilidade de se construir uma sociedade alienada. Sendo assim, cada vez
mais se constrói e desenvolve o que Freire chama de curiosidade epistemológica,
recusando-se o autoritarismo e tornando necessário que o educando mantenha vivo
o gosto da rebeldia, a força criadora do aprender.
É preciso que vá ficando cada vez mais claro que, embora diferentes entre si, quem forma se forma e re-forma ao formar e quem é formado forma-se e forma ao ser formado. Ou seja, não há docência sem discência, as duas se explicam e seus sujeitos não se reduzem a condição de objeto um do outro. Quem ensina aprende ao ensinar e quem aprende ensina ao aprender (pág. 25).
Educar, então, exige rigorosidade metódica, por isso que
o educador deve reforçar a capacidade crítica do educando para que, um dia, ele
se torne sujeito ativo da construção do saber ensinado e não um mero repetidor.
O discurso do patrono da educação se comunica, analogamente, ao pensamento de
Viviane Mosé[2]
sobre a escola como fábrica, onde o aluno é muito mais um repetidor de ideias
do que um aprendiz. Por ser ensinado a pensar mecanicistamente, ele não consegue
estabelecer relações, por exemplo, entre o que leu e o que vem ocorrendo no seu
país, por isso ensinar também exige criticidade.
Advém então a necessidade do
que ele chama “pensar certo”. Diferentemente da ideologia fascista, que
considera como certo apenas os seus “iguais”, atuando contra as liberdades
individuais. Freire considera que uma das
condições necessárias a pensar certo é não estarmos demasiado certos de nossas
certezas. Ou seja, respeitar o senso comum sem deixar de estimular a
contestação e a capacidade criadora do educando. É ter consciência do nosso
inacabamento. É profundidade na interpretação dos fatos. É pesquisa continua, e
não há educação sem ela, gerando superações e rupturas na medida em que a
curiosidade ingênua se criticiza.
Porém,
não adianta em nada “pensar certo” se a pratica não acompanha o pensamento.
Sendo assim, o educador necessita transformar as palavras em exemplo. Ou seja, pensar certo é fazer certo, e sem essa
rigorosidade metódica não existe maneira de se pensar certo.
Para
Paulo Freire, o respeito aos saberes do educando, a discussão com eles sobre a
razão de ser das coisas e dos conteúdos, assim como a estética e a ética,
também são aspectos fundamentais, para a pratica educativa, pois há uma pedagogicidade indiscutível na
materialidade do espaço. Freire exemplifica com a desmotivação que alguns
alunos sentem em estudar e cuidar de um espaço que já é esquecido pelos
próprios órgãos por ele responsável. Por isso mesmo, não soa estranho quando
afirmam que esse é um projeto político afim de, com a degradação do espaço
publico e o pouco interesse da população por ele, privatiza-lo.
Ensinar
exige risco, aceitação do novo e rejeição a qualquer forma de discriminação,
seja de raça, de classe, de gênero que ofenda a substantividade do ser humano.
Isso não quer dizer, no entanto, que não se deve haver uma reflexão sobre o
novo antes de aceita-lo, mas sim que ele não pode ser negado apenas sobre esse
pretexto. Nessa linha de raciocínio, a educação tem, como momento fundamental, a
reflexão crítica sobre a prática. Por isso, para o autor, está errada a educação que não reconhece na justa raiva um papel
altamente transformador, afinal, ensinar também exige o reconhecimento da
identidade cultural.
Não junto a minha voz à dos que, falando em paz, pedem aos oprimidos, aos esfarrapados do mundo, a sua resignação. Minha voz tem outra semântica, tem outra musica. Falo da resistência, da indignação, da “justa ira” dos traídos e dos enganados. (pag. 99).
Pode-se
afirmar, então, que um dos afazeres de muita importância nessa prática
educativo-crítica, é fazer com que os educandos possam experimentar a
experiência profunda de assumir-se. Reconhecer-se
no mundo e ter orgulho de si e de suas origens, não significa a exclusão do
outro, pois, a identidade cultural e dimensão individual na pratica de Freire e
seus seguidores, creio eu, é sinônimo de diversidade.
A segurança,
a competência profissional, a generosidade e o comprometimento são aspectos
essenciais a todos os educadores. O autor afirma que a autoridade docente
democrática deve demonstrar segurança em si mesma, principalmente em relação à
liberdade dos alunos. Pois, segura de si,
a autoridade não necessita de fazer o discurso sobre sua existência, por que a
exerce com indiscutível sabedoria, fundada na sua competência profissional.
Assim também é a generosidade, está jamais minimiza a liberdade, já que
reconhece que não se vive sem ela. Liberdade implica em correr riscos, o educando que exercita sua liberdade ficará
tão mais livre quanto mais eticamente vá assumindo a responsabilidade de suas
ações. Desse conjunto nasce à autonomia do educando, é na capacidade de
correr e assumir os riscos que surge um ser independente. No fundo, o essencial nas relações é a reivindicação do ser humano no aprendizado
de sua autonomia. Por ultimo, no aspecto do comprometimento, Freire diz não
ser possível exercer a atividade do magistério como se nada ocorresse ao
educador.
Saber que não posso passar despercebido pelos alunos, e que a maneira como me percebam me ajuda ou desajuda no cumprimento de minha tarefa de professor, aumenta em mim os cuidados com o meu desempenho. [...] Afinal, o espaço pedagógico é um texto para ser constantemente “lido”. (pag. 95).
Juntando
todos os aspectos já citados, posso afirma que a educação é vista, para o
autor, como forma de intervenção no mundo. Ela deve ser, em certa medida,
reprodutora e desmascaradora da ideologia dominante. No entanto, neutra, “indiferente” a qualquer dessas
hipóteses, a da reprodução da ideologia dominante ou de sua contestação, a
educação jamais foi, é, ou pode ser. Podemos perceber com isso, o porquê de
Paulo Freire ser tão rechaçado entre os conservadores, e ser constantemente
chamado de doutrinador, que quer impor sua ideologia aos demais. Estes são
incapazes de perceber, ou se percebem optam pelo silêncio para se aproveitar da
inocência alheia, que apenas ideologicamente podem-se matar outras ideologias,
por isso se autoproclamam como “Sem Partido”. No entanto, o patrono da educação
brasileira só fez honrar essa denominação, em sua constante luta a favor da
liberdade e da autonomia do educando, e do respeito e valorização do educador.
Por isso, suas obras devem ser leituras bases para todos aqueles que almejam,
um dia, praticar o magistério. Dessa forma, talvez tenhamos uma educação que
permita ao cidadão quebrar as correntes e sair da caverna[3], sair da fábrica, e entrar
em um local em que ele não esteja sujeito a autonomia de ninguém, pois a autonomia, enquanto amadurecimento do ser
para si, é processo, é vir a ser.
Sou professor a favor da decência contra o despudor, a favor da liberdade contra o autoritarismo, da autoridade contra licenciosidade, da democracia contra a ditadura de direita ou de esquerda. Sou professor a favor da luta constante contra qualquer forma de discriminação, contra a dominação econômica dos indivíduos ou das classes sociais. Sou professor contra a ordem capitalista vigente que inventou esta aberração: a miséria na fartura. Sou professor a favor da esperança que me anima apesar de tudo. Sou professor contra o desengano que me consome e imobiliza. Sou professor que cansa, mas não desiste (pag. 100).
[1] O programa
Escola sem Partido é um projeto de lei, fruto do conservadorismo, que visa o
detrimento da autonomia dos professores e dos alunos, ao impor seis regras bases
aos docentes. Sendo a primeira delas: o professor não se aproveitará da
audiência cativa dos alunos para promover os seus próprios interesses,
opiniões, concepções ou preferências ideológicas, religiosas, morais, políticas
e religiosas.
[2]Viviane
Mosé é psicóloga e psicanalista. Especializou-se em elaboração de políticas
públicas pela Universidade Federal do Espírito Santo. É mestra e doutora em
filosofia, pelo Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal
do Rio de Janeiro.
[3]
Refiro-me ao Mito da Caverna de Platão presente no livro VI de “A República”,
onde a caverna é o mundo em que as imagens prevalecem sobre os conceitos,
formando os pré-conceitos ou opiniões errôneas.
[i] http://www.paulofreire.org/paulo-freire-patrono-da-educacao-brasileira



